segunda-feira, 9 de junho de 2008

Insepultos

Defuntos insepultos.

Não é possível que lá no âmago eu ainda não veja o real. Já havia decidido não gastar vela com defunto ruim. Mas como livrar-se de tão sombria esquife se ela infesta o ar, a pele, a mente... Chega a ser pavorosa a tênue linha que separa o sonho da realidade.
Nessa madrugada foi mais forte. Foi mais nítido. Bem mais nítido.

Não Sonho Mais - Chico Buarque
Hoje eu sonhei contigo, tanta desdita, amor nem te digo, tanto castigo que eu tava aflita de te contar... Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha e baba na fronha, e se urina toda e quer sufocar. Meu amor vi chegando um trem de candango, formando um bando - mas que era um bando - de orangotango pra te pegar. Tinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado de tudo que é lado, vinha um bom motivo pra te esfolar.
Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava, mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar. Tu que foi tão valente, chorou pra gente, pediu piedade, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar...
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira a tua carniça e tinha justiça nesse escarrar. Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas, comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar...
Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha, e baba na fronha e se urina toda e já não tem paz. Pois eu sonhei contigo e caí da cama, ai, amor, não briga, ai, não me castiga, ai, diz que me ama e eu não sonho mais.

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Sou o que me convém ser...

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